É tão giro! Sempre á minha espera....Diz ele que quando chego, a casa fica com vida"Só olho olho para as paredes...."! Criámos laços de dependência, ele de uma forma, eu de outra; e já lá vai um ano e tal.... Ontem, conseguiu redigir uma carta com um discurso muito coerente, estava receoso que o trémulo das mãos o traí-se, mas não. Mostrou-me com vaidade, mas esperando o meu aval sobre a tal dita missiva. Sorri, satisfeita estava perfeita, para um Sr com oitenta e sete anos. Vim até á cozinha, orientar um todo de rituais que se completam nas suas exigências: Avaliar os valores da glicémia, a refeição, a medicação. Quando entra na cozinha, parecia uma criança, com um sorriso feliz e transparente, por ter conseguido realizar o que tanto receava:" Justina, sempre consegui escrever, que bom"! Em certos momentos, registo bloqueios nele, e sinto uma preocupação da minha parte um pouco intempestiva. Sorriu com inocência, honestidade e conquista. Nunca é tarde para sermos nós mesmos! Durante o jantar como é costume, sento-me sempre a seu lado, observando cada detalhe promonorizadamente, aborreceu-se porque a prótese de baixo saltou-lhe, eu previ isso, pois elas pareciam "castanholas", Bolas para isto! Eu sorri, um sorriso bem escondido, pois reparei nas feições do rosto que se modificaram num ápice, mas logo continuou a conversa sobre a medicação, e tudo voltou ao normal. Ás vezes esqueço-me da Idade , e do Ritmo dele, pois não está em concordância com o meu, e então eu própria tento relaxar para recuperar a disponibilidade necessária. Diz-se com justeza que, se o espaço é o amigo do homem, visto a sua infinidade, não depender senão de nós, o tempo é nosso inimigo por todas as obrigações que impõe ao nosso ritmo.
3 de Setembro 2009: Oitenta e oito anos, tantos ciclos que se completaram ou não, creio mesmo que alguns ficaram pelo meio. Segundo Erikson, cada um influência o seguinte. O ano passado, acordou bem disposto, recebeu telefonemas, cuidou-se esmerando-se mesmo na sua apresentação, os netos á noite conversaram com ele, como ele tomasse parte activa de suas vidas, ouvia-os atentamente sorrindo, inquirindo-me com o olhar, estava feliz! Eu como prestadora de cuidados, assumia uma retaguarda muitas vezes solicitada, quer com um olhar, quer com um sorriso. Todos de volta do bolo e das velas acesas cantaram-lhe "os Parabéns".....Deitou-se cansado das emoções, antes de adormecer, quando me fui despedir disse: " Agora gostava de ver ainda, se Deus assim o Permitisse, ver a continuidade do meu sangue"! Este ano, cantá-mos os "Parabéns" os dois no sofá, senti revolta, indignação mesmo, rolam-me duas lágrimas pela cara, faltou-me a voz para cantar, mas correu tudo bem. Foi deitar-se num marasmo silencioso, daqueles que cortam a alma, entrou mesmo em desepero, nostalgia, pois os telefonemas vieram "por obrigação", as ausências notaram-se, o bolo estava intacto, as flores lindas que embelezavam a mesa, os cálices e a garrafa de champanhe. Já deitado, uma neta veio visitá-lo.....ficou um pouco feliz, mas..... Umas horas antes começou a cantar, para disfaçar suas tristezas uma canção que sua mãe costumava cantar: Andava a pobre cabreira O seu rebanho a guardar, Desde que rompia o dia Até a noite fechar.
De pequenina nos montes Não tivera outro brincar Nas canseiras do trabalho Seus dias vira passar.
............................................. ............................ Que não sabia
"Ai que triste a sina minha Ai que triste o meu penar Que não sei de pai nem mãe, Nem de irmãos a quem amar.......
Escrevi o que trauteou, ficou contente quando no dia seguinte lhe levei a letra toda da canção e a sua origem: As Púpilas do Senhor Reitor, de Júlio Diniz.
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